Existem poucas iguarias capazes de despertar tanta nostalgia e conforto quanto o “Sonho”. Este doce, um pão macio, frito, levemente dourado e recheado com um aveludado creme de baunilha, é um clássico atemporal das padarias brasileiras. O nome, por si só, já evoca uma experiência de leveza e prazer.
A receita que apresentamos é a combinação perfeita de uma massa fofa e aerada, resultado de uma fermentação cuidadosa e da fritura no ponto exato, com o recheio tradicional: o divino Creme de Confeiteiro (Crème Pâtissière). Vamos desvendar os segredos deste doce que, apesar da simplicidade, exige técnica e carinho, transformando sua cozinha em uma verdadeira padaria artesanal.
A História do Sonho: Nascido na Guerra, Consagrado na Doçura
A história do sonho é tão fascinante quanto seu sabor, com raízes que remontam aos campos de batalha europeus. A versão mais aceita sobre a origem do Sonho, ou pelo menos do seu ancestral, nos leva à Prússia, em 1756, durante a Guerra dos Sete Anos.
Conta-se que um ajudante de padeiro, recrutado para o exército de Frederico, o Grande, mas sem talento para a vida militar, foi transferido de volta para a cozinha. Com ideias inspiradas em canhões e balas, ele resolveu modelar suas massas de pão fermentadas em forma de bolas e, em vez de assá-las, as fritou em gordura. O doce resultante foi batizado de Berliner (em referência a Berlim) e rapidamente conquistou a Europa.
O Berliner atravessou fronteiras: em Portugal, ficou conhecido como Bola de Berlim, frequentemente recheada com doces vermelhos ou creme de pasteleiro. Nos Estados Unidos, ganhou o furo central e se transformou no famoso Donut.
No Brasil, o doce chegou no início do século XX, especialmente em São Paulo, e foi carinhosamente apelidado de Sonho. Adaptando-se ao paladar nacional, os padeiros brasileiros começaram a rechear os bolinhos fritos com um suave e aromático creme de baunilha (o Creme de Confeiteiro) e a finalizá-los com uma camada de açúcar refinado. No Brasil, o Sonho se tornou um produto de aproveitamento inicial, feito com sobras da massa de pão doce, mas logo ganhou destaque próprio, sendo hoje uma das estrelas de qualquer vitrine de padaria. A nossa receita celebra exatamente essa tradição brasileira: a massa macia, a fritura perfeita e o recheio cremoso e aromático.
Receita Clássica: O Autêntico Sonho de Padaria

Esta receita é dividida em dois pilares: a massa leve e fofa e o recheio de creme de confeiteiro, que deve ser preparado com antecedência para esfriar.
Ingredientes da Massa:
- 3 tabletes fermento biológico fresco (45 g)
- 2 ovos
- 1 gema
- 50 g manteiga (em temperatura ambiente)
- 250 ml leite (morno)
- 1 pitada sal
- 1/4 de xícara (chá) de açúcar
- 5 xícaras (chá) farinha de trigo (aproximadamente)
Ingredientes do Recheio (Creme de Confeiteiro):
- 500 ml leite
- 3 gemas
- 1 xícara (chá) açúcar
- 1/2 xícara (chá) farinha de trigo
- 2 colheres (chá) essência de baunilha
Para Polvilhar:
- 1 xícara (chá) açúcar refinado ou de confeiteiro
Modo de Preparo:
Parte 1 – Preparando a Massa e Fritura
- Ativação Rápida (Massa): No liquidificador, junte o fermento biológico fresco (45g), os 2 ovos, 1 gema, a manteiga amolecida (50g), o leite morno (250ml), a pitada de sal e o açúcar (1/4 de xícara). Bata bem até obter uma mistura homogênea. O uso do liquidificador é uma técnica moderna para dissolver e misturar os ingredientes de forma rápida e eficiente.
- Preparação da Massa: Transfira o líquido batido para um recipiente grande. Aos poucos, adicione a farinha de trigo. Misture com as mãos ou com uma colher de pau até que a massa comece a se formar.
- Sovar: Transfira a massa para uma superfície levemente enfarinhada e sove por cerca de 10 minutos. A sova é essencial para desenvolver o glúten, o que garante a maciez e a capacidade de crescimento da massa. Adicione farinha de trigo aos poucos, apenas o suficiente para que a massa não grude nas mãos. A massa deve ficar macia e elástica.
- Primeiro Crescimento: Cubra a massa em um recipiente untado com óleo e deixe descansar em um local abrigado (sem correntes de ar) por 20 minutos. Este tempo de descanso curto, devido à quantidade generosa de fermento, é crucial para iniciar o processo.
- Modelagem e Segundo Crescimento: Retire o ar da massa e divida-a em pequenas porções (cerca de 50 a 60g) para modelar as bolinhas. Coloque as bolinhas modeladas em uma assadeira enfarinhada (com boa distância entre elas), cubra e deixe descansar novamente até que dobrem de tamanho (cerca de 30 a 50 minutos, dependendo da temperatura). Este segundo crescimento, a fermentação final, é o que garante a leveza ao fritar.
- Fritura: Aqueça o óleo em uma panela funda (o suficiente para cobrir os sonhos) em fogo médio. A temperatura ideal é de aproximadamente $160^{\circ}\text{C}$ a $170^{\circ}\text{C}$. Frite as bolinhas em óleo quente. Não frite muitas de uma vez para não esfriar o óleo. O Sonho frita relativamente rápido, virando-se para dourar uniformemente, até que fiquem com uma cor dourada escura.
- Escorrer: Retire os sonhos do óleo e coloque-os para escorrer em papel absorvente ou, preferencialmente, em uma grade para evitar que a base fique úmida.
Parte 2 – Preparando o Recheio (Creme de Confeiteiro)
- Preparação dos Componentes: Separe 1/2 xícara (chá) de leite e reserve. Em uma tigela, bata as 3 gemas com o açúcar (1 xícara) até obter um creme claro. Junte a farinha de trigo (1/2 xícara) e, aos poucos, o leite reservado, misturando bem até não haver grumos.
- Cozimento do Creme: Leve o restante do leite (450 ml) ao fogo em uma panela. Quando ferver, retire do fogo e acrescente a mistura batida de gemas, açúcar e farinha.
- Finalização do Cozimento: Deixe cozinhar por cerca de dois minutos, sem mexer inicialmente. Após esse tempo, misture vigorosamente com um fouet (batedor de arame) ou colher de pau até o creme engrossar e atingir a consistência de um creme de confeiteiro aveludado.
- Aromatização e Resfriamento: Retire do fogo e acrescente a essência de baunilha (2 colheres de chá), misturando bem. Transfira o creme para um recipiente, cubra com plástico filme em contato com a superfície do creme (para evitar a formação de uma “nata”) e leve para gelar até que esteja completamente frio e firme.
Parte 3 – Recheio e Finalização
- Rechear: Faça um corte lateral (não totalmente profundo) em cada Sonho frito e recheie generosamente com o Creme de Confeiteiro já frio, usando uma colher ou, para maior precisão, um saco de confeitar.
- Polvilhar: Passe o Sonho recheado, ou salpique, o açúcar refinado ou de confeiteiro. O açúcar de confeiteiro proporciona um acabamento mais delicado e que “derrete” na boca.
Dicas Essenciais e Variações
- Fermento Fresco vs. Seco: A receita utiliza fermento fresco (45g), que é mais rápido. Se optar pelo fermento biológico seco, use $1/3$ da quantidade (cerca de 15g ou 1,5 sachês), ativando-o previamente em um pouco de leite morno e açúcar.
- A Farinha de Trigo no Creme: Usar farinha de trigo (como nesta receita) no creme de confeiteiro é uma técnica tradicional que proporciona uma textura mais estável ao creme, ideal para recheios. O creme de confeiteiro feito apenas com amido de milho é chamado Crémeux, sendo mais delicado e instável.
- Evitando Sonhos Murchem: O segredo da fofura é o segundo crescimento completo. Se os sonhos não estiverem com o volume correto antes de fritar, podem ficar pesados. Além disso, a temperatura do óleo deve ser ideal: se estiver frio, o Sonho absorve muita gordura; se estiver muito quente, ele doura por fora e fica cru por dentro.
- Variações de Recheio: Embora o creme de confeiteiro seja o clássico, você pode rechear seus Sonhos com: Doce de leite, Creme de chocolate, ou Goiabada.
- Fritura Perfeita: Use uma panela funda e comece com o óleo em fogo médio, ajustando para manter a temperatura constante. A cor do Sonho frito deve ser um marrom-dourado uniforme.
Perguntas Frequentes (FAQ)
1. Por que o recheio de creme de confeiteiro tem que ser feito antes e estar frio?
R: O creme de confeiteiro (Crème Pâtissière) precisa estar frio para atingir sua consistência final e firme. Se for recheado quente ou morno, o creme irá escorrer e encharcar a massa frita do Sonho, comprometendo a textura e a apresentação.
2. O que fazer se a massa do Sonho absorver muita gordura ao fritar?
R: Isso é um sinal de que a temperatura do óleo está muito baixa. A massa deve criar uma casquinha rapidamente para impedir a absorção excessiva. Certifique-se de que a temperatura esteja entre $160^{\circ}\text{C}$ e $170^{\circ}\text{C}$ e não coloque muitos Sonhos de uma vez para evitar que o óleo esfrie.
3. Posso assar os Sonhos em vez de fritar?
R: Sim, você pode assar os Sonhos para uma versão mais leve e menos calórica. Pré-aqueça o forno a $180^{\circ}\text{C}$ e asse por cerca de 15 a 20 minutos, ou até que estejam dourados. No entanto, a textura não será a mesma do Sonho tradicional, frito, que é crocante por fora e muito macio por dentro.
4. Minhas gemas talharam no creme, o que eu fiz de errado?
R: O “talhamento” ocorre quando as gemas são cozidas muito rapidamente ou sob calor muito alto. Isso acontece porque a gema contém proteínas que coagulam em altas temperaturas. A técnica de adicionar a mistura de gemas e farinha ao leite fervido fora do fogo e depois voltar ao fogo brando é a melhor forma de cozinhar o creme suavemente e evitar que as gemas talhem.
5. Qual a diferença entre açúcar refinado e açúcar de confeiteiro para polvilhar?
R: O açúcar refinado é o açúcar comum, com grãos mais finos, que dá um acabamento crocante. O açúcar de confeiteiro é pulverizado a ponto de ser um pó, muitas vezes contendo amido de milho, o que evita a umidade. Ele proporciona um acabamento mais aveludado e que “derrete” na boca, sendo o preferido para o Sonho clássico.
Conclusão: Um Doce Sabor de Aconchego
O Sonho de Padaria é a tradução da culinária afetiva. A sua preparação, que envolve o toque da massa, o calor da fritura e o cheiro da baunilha, é uma terapia para a alma. Esta receita tradicional, com seu recheio de creme de confeiteiro, é uma forma de resgatar um clássico e celebrar os pequenos prazeres da vida. Ao saborear um Sonho recém-frito, macio e perfeitamente recheado, você não está apenas comendo um doce, mas sim vivenciando um pedaço da história da panificação, trazendo para a sua mesa a doçura e a leveza de um verdadeiro sonho feito em casa.
